Phantasm - J.S. Bach: The Well-Tempered Consort – I - Expresso
Por mais que um motivo, manda a tradição que, neste dia, de Bach, se evoque antes a "Paixão Segundo São Mateus". Se é essa a questão, consumado está, como diria Jesus Cristo na cruz (até, porque, do oratório, na BIS, há nova edição digna de nota: a do Bach Collegium Japan, dirigida por Masaaki Suzuki, com Benjamin Bruns e Carolyn Sampson). Tudo isto, claro, porque não só a obra — estreada na Sexta-Feira Santa de 1727 — acompanha a crucificação e morte no Calvário do seu protagonista como, também, representa um muitíssimo figurado regresso ao mundo dos vivos do seu autor (o que se deu em março de 1829, quando Mendelssohn, a contragosto das plateias do seu tempo, a tornou a incluir numa folha de sala, de certa forma pondo em marcha um processo de reabilitação crítica que não mais parou). Daí resulta um terreno fértil para testar o que na avaliação da natureza dos solos se apelida de limites de consistência: ou seja, sim, desde então, Bach tornou-se permeável a todas as reconfigurações possíveis e imaginárias (basta esquadrinhar o YouTube que independentemente de géneros musicais se dá por opúsculos seus interpretados em ocarinas, copos de cristal, harmónicas, flautas de pã, cavaquinhos, instrumentos e gente dos quatro cantos do planeta). Por isso, e porque, este ano, ao que parece, a Páscoa foi cancelada, em boa hora e de modo muito apropriado surge o Phantasm a propor transcrições para viola da gamba de páginas extraídas a "O Cravo Bem Temperado", "Oferenda Musical” e, com uma ou outra cantata pelo meio, ao transcendente terceiro volume de "Pequeno Livro para Órgão". Dir-se-ia que os seus integrantes aspiravam ao mesmo que a pianista mongol Odgerel Sampilnorov, conforme o relato de Sophy Roberts, em The Lost Pianos of Siberia": "Bach diz-nos como expressar a dor e a tragédia. Quando leio acerca da Ressurreição não sinto grande coisa, mas quando toco [uma ária] ganho vida. Bach ensinou-me a respirar!" Aqui, basta escutar o "Prelúdio N a 22", BWV 867, ou "Kyrie, Gott heiliger Geist", BWV 671, que se pressente o equivalente à primeira golfada de ar que um mergulhador de apneia dá ao regressar à superfície. Habemus Páscoa.